EXISTENCIALISMO – ÊNFASES
ÀS EMOÇÕES
Cremos que o ser humano foi criado para refletir emoções,
e é legítimo expressá-las. A verdadeira religião afeta tanto os sentimentos
quanto o intelecto. Citando Richard Baxter, ela é essencialmente o “trabalho do
coração”. O sumsum corda, isto é a
elevação do coração, tem sua vez no culto cristão. Entretanto, quando a ênfase
é voltada para os sentimentos, em detrimento da razão, o culto perde o seu
equilíbrio.
O Existencialismo
é uma filosofia que consiste, basicamente, na ênfase da experiência antes da razão.
Essa
filosofia entrou na religião protestante pelo pensamento de Friedrich Schleiermacher.(1) Ele foi
o pioneiro para a reconstrução da teologia por meio de uma base filosófica. Para Schleiermacher a
religião fala essencialmente ao sentimento. Assim sendo, “ a localização da fé
já não se acha naquilo que Deus diz (a revelação divina), nem naquilo que Deus
faz (a redenção na história), mas primariamente naquilo que o homem experimenta”.(2)
Partindo deste princípio ele postulou que:
a) O
centro gravitacional da religião se acha na experiência cristã e não nos atos
de Deus na história;
b) A
essência de toda a religião, inclusive o cristianismo, é a experiência;
c) Sua
sede não é a razão, a consciência, a vontade, mas o sentimento.
d) O
papel da pregação no culto é criar mudança dentro de nós através dos
sentimentos.
Mas, seria as emoções perigosas para a adoração cristã? Em
que aspecto ela é um desafio para o culto reformado? Qual a definição de
emoções?
“Uma emoção é qualquer manifestação ou perturbação forte da
mente consciente normal ou da mente inconsciente; geralmente de forma
voluntária, conduzindo, muitas vezes, a complexas alterações no corpo e nas
formas externas de conduta.”(3)
Pelo termo latino emovere,
significando agita, notamos que uma
emoção é algo que nos desvia de um estado sereno – fora da racionalidade.
É claramente comprovado
que as emoções exercem um poder sobre o indivíduo. Elas podem levar para um bom
caminho ou para o mal caminho. Pelas emoções pessoas são manipuladas. Por isso
as emoções são um forte instrumento usado por políticos, artistas, professores
e evangelistas.
É fato comum, em muitas
arraias evangélicos, encontramos forte apelo às emoções no culto público,
principalmente no sermão e nas músicas. O sermão pode ser muito emocional, mas
não ter conteúdo real, de modo que não terá efeito duradouro sobre a
congregação. Em relação aos louvores cantados,
Os evangelistas devem olhar com cuidado a sua
música. A música é a maneira chave de expressar emoções no culto. Mas o culto contemporâneo
por várias vezes demais se preocupa apenas com a emoção de alegria – e esta de
modo bem superficial... A música do culto da Igreja deve seguir o modelo do
hinário no qual se louva a natureza de Deus e suas grandes obras. Tal louvor
não é composto de repetição de frases ou de má poesia. É louvor verbalmente
rico, emotivamente variado, cheio de conteúdo. É o tipo de louvor que encherá a
mente e o coração do povo de Deus com a verdade de Deus, com amor para com Deus
como ele realmente é. Abastecerá a mente com verdades sobre as quais meditar.
Incentivará o povo de Deus à santidade de vida.(4)
No culto as manifestações emocionais têm
caracterizado a liturgia de muitas comunidades evangélicas. Com o advento do
pentecostalismo e, mais recentemente, neo-pentecostalismo, a ênfase se voltou
para o aspecto subjetivo da adoração. E isso tem levado o adorador ao êxtase.
É bem verdade que na
história dos avivamentos, mesmo onde a palavra de Deus era fielmente exposta,
fortes ênfases emocionais eram evidenciadas. Havia manifestações ou fenômenos físicos
no culto, principalmente na hora da pregação. Prostrações físicas, gritos,
desmaios, etc, foram detectados em muitos lugares, tanto na Europa como na América.
O livro “Tratado Sobre
Afeições Religiosas” de Jonathan Edwrads, foi uma tentativa para responder às
objeções e corrigir os abusos levantados contra tais fenômenos emocionais. O
relato mais espantoso de tais acontecimentos foi feito pelo próprio Edwards ao
comentar as experiências do reavivamento em Northampton em 1741, diz ele:
Os meses de agosto e setembro foram os mais
notáveis deste ano, por causa o surgimento de convicção de pecado, conversões
de pecadores, grandes vivificações, despertamentos... Era frequente ser ver uma
casa cheio de gritos, desmaios, convulsões e coisas semelhantes, ora com
tristeza, ora com admiração e alegria. Não era costume aqui se realizar
reuniões a noite inteira, conforme se faziam em alguns lugares, nem estendê-las
até muito tarde da noite; no entanto, ocasionalmente algumas pessoas foram
afetadas sobremaneira e seus corpos dominados de tal modo que não puderam ir
para casa, sendo então obrigados a ficar a noite inteira na casa em que se encontravam.(5)
Movido por desconfiança
alguns pregadores não aceitaram tais manifestações emocionais legítimas. George
Whitefield teve alguma dificuldade para aceitar tais fenômenos como obra do
Espírito Santo. John Wesley o repreendeu por censurar a soberania de Deus e o
poder do Espírito Santo. Wesley fez uma observação em seu Jornal do dia 17 de
julho de 1739, com o seguinte teor:
Eu tive a oportunidade de falar com ele (Whitefield)
a respeito dos sinais externos que tão frequentemente acompanharam o trabalho
interno de Deus. Descobri que as objeções dele se baseavam principalmente em
interpretações errôneas e exageradas dos fatos. Mas no dia seguinte ele teve a
oportunidade de informa-se melhor, pois logo depois de começar (na aplicação do
sermão) e convidar a todos os pecadores a crerem em Cristo, quatro pessoas
caíram perto dele quase no mesmo instante. Um deles permaneceu imóvel e inconsciente;
um segundo tremia excessivamente; o terceiro teve fortes convulsões em todo o
corpo, mas não fez barulho, a não ser gemido; o quarto, igualmente em
convulsão, clamava a Deus com forte choro e lágrimas. Daqui em diante, espero
que todos nós permitamos que Deus continue sua própria obra de maneira que lhe
aprouver.(6)
É claro que houve manifestações espúrias e
falsas. Por isso, nem todos os líderes ficaram empolgado com tais ocorrências.
Muitos, sob a influência do racionalismo, ressentiam-se com o entusiasmo religioso
gerado pelo avivamento. Eles achavam que tais manifestações emocionais eram uma
ameaça à autoridade eclesiástica. Eles “entendiam que o subjetivismo religioso
apelava aos instintos inferiores e que uma pessoa racional não necessitaria que
as suas crenças fossem substanciadas por um coração aquecido e muito menos por
desmaios, gemidos ou pulos de alegria”.(7) Assim sendo, surgiram dois partidos:
os pastores contrários ao avivamento com a ênfase nas emoções, os Old Lights; e os New Lights, favoráveis ao movimento.(8)
Jonathan Edwards, na intenção de apontar
critérios de julgamentos sobre a verdadeira obra do Espírito Santo, argumenta
que “a verdadeira religiosidade reside no coração, a sede dos afetos, emoções e
inclinações. Ao mesmo tempo, ele descreve com detalhes os tipos de emoções religiosas
que são em grande parte irrelevantes para qualquer aferição de uma verdadeira
espiritualidade”.(9) Em sua obra clássica, o “Tratado Sobre as Afeições
Religiosas” produzido em 1746, Edwards destaca 12 marcas distintivas que
apresenta a presença da verdadeira religião, entre essas destaco: 1) a ênfase na obra graciosa de Deus; 2) doutrinas
consistentes com a revelação bíblica e 3) uma vida caracterizada pelos frutos
do Espírito Santo.
Concluo esse artigo firmando que não há
problemas em exercemos as nossas emoções no culto público (seria impossível
para um adorador sincero), entretanto quando forjamos uma liturgia que apela
tão somente para as emoções corremos o risco de manipularmos o auditório.
Manter um equilíbrio é o desafio para o culto reformado. É justamente esse o
conselho do apóstolo Paulo quando escreve aos coríntios: “Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente;
cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente” (1 Coríntios
14.15).
Rev.
Naziaseno Cordeiro Torres
(1) Friedrich
Daniel Ernst Schleiermacher (Breslau, 21 de novembro de 1768 — Berlim, 12 de fevereiro de 1834) foi pregador em Berlim na Igreja da Trindade e professor de Filosofia.
(2) Teologia Contemporânea, Gundry.
(3) Champlin. Enciclopédia de Bíblia,
Teologia e Filosofia.
(4) James Boice, Reforma Hoje, Ed. Cultura
Cristã
(5) E. Evans, Reavivamento, p. 24.
(6) Ibid, 25.
(7) Alderi Souza de Matos, “Jonathan Edwrds:
Teólogo do Coração e do Intelecto”, Fides Reformata, Vol. III, nº I,
jan-jul/1998, p. 77
(8) Ibid
(9) Ibid
PRÓXIMO ARTIGO:
DESAFIOS
ATUAIS PARA O CULTO CRISTÃO REFORMADO
(II) – HUMANISMO: ÊNFASE NO ENTRETENIMENTO
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