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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

DESAFIOS ATUAIS PARA O CULTO CRISTÃO REFORMADO (I)


 EXISTENCIALISMO – ÊNFASES ÀS EMOÇÕES

Cremos que o ser humano foi criado para refletir emoções, e é legítimo expressá-las. A verdadeira religião afeta tanto os sentimentos quanto o intelecto. Citando Richard Baxter, ela é essencialmente o “trabalho do coração”. O sumsum corda, isto é a elevação do coração, tem sua vez no culto cristão. Entretanto, quando a ênfase é voltada para os sentimentos, em detrimento da razão, o culto perde o seu equilíbrio.

            O Existencialismo é uma filosofia que consiste, basicamente, na ênfase da experiência antes da razão.

            Essa filosofia entrou na religião protestante pelo pensamento de Friedrich Schleiermacher.(1) Ele foi o pioneiro para a reconstrução da teologia por meio de uma base filosófica.  Para  Schleiermacher a religião fala essencialmente ao sentimento. Assim sendo, “ a localização da fé já não se acha naquilo que Deus diz (a revelação divina), nem naquilo que Deus faz (a redenção na história), mas primariamente naquilo que o homem experimenta”.(2) Partindo deste princípio ele postulou que:


a)      O centro gravitacional da religião se acha na experiência cristã e não nos atos de Deus na história;

b)      A essência de toda a religião, inclusive o cristianismo, é a experiência;

c)      Sua sede não é a razão, a consciência, a vontade, mas o sentimento.

d)     O papel da pregação no culto é criar mudança dentro de nós através dos sentimentos.

 

Mas, seria as emoções perigosas para a adoração cristã? Em que aspecto ela é um desafio para o culto reformado? Qual a definição de emoções? 


“Uma emoção é qualquer manifestação ou perturbação forte da mente consciente normal ou da mente inconsciente; geralmente de forma voluntária, conduzindo, muitas vezes, a complexas alterações no corpo e nas formas externas de conduta.”(3)


Pelo termo latino emovere, significando agita, notamos que uma emoção é algo que nos desvia de um estado sereno – fora da racionalidade.


            É claramente comprovado que as emoções exercem um poder sobre o indivíduo. Elas podem levar para um bom caminho ou para o mal caminho. Pelas emoções pessoas são manipuladas. Por isso as emoções são um forte instrumento usado por políticos, artistas, professores e evangelistas.

            É fato comum, em muitas arraias evangélicos, encontramos forte apelo às emoções no culto público, principalmente no sermão e nas músicas. O sermão pode ser muito emocional, mas não ter conteúdo real, de modo que não terá efeito duradouro sobre a congregação. Em relação aos louvores cantados,

Os evangelistas devem olhar com cuidado a sua música. A música é a maneira chave de expressar emoções no culto. Mas o culto contemporâneo por várias vezes demais se preocupa apenas com a emoção de alegria – e esta de modo bem superficial... A música do culto da Igreja deve seguir o modelo do hinário no qual se louva a natureza de Deus e suas grandes obras. Tal louvor não é composto de repetição de frases ou de má poesia. É louvor verbalmente rico, emotivamente variado, cheio de conteúdo. É o tipo de louvor que encherá a mente e o coração do povo de Deus com a verdade de Deus, com amor para com Deus como ele realmente é. Abastecerá a mente com verdades sobre as quais meditar. Incentivará o povo de Deus à santidade de vida.(4)

                No culto as manifestações emocionais têm caracterizado a liturgia de muitas comunidades evangélicas. Com o advento do pentecostalismo e, mais recentemente, neo-pentecostalismo, a ênfase se voltou para o aspecto subjetivo da adoração. E isso tem levado o adorador ao êxtase.

            É bem verdade que na história dos avivamentos, mesmo onde a palavra de Deus era fielmente exposta, fortes ênfases emocionais eram evidenciadas. Havia manifestações ou fenômenos físicos no culto, principalmente na hora da pregação. Prostrações físicas, gritos, desmaios, etc, foram detectados em muitos lugares, tanto na Europa como na América.

            O livro “Tratado Sobre Afeições Religiosas” de Jonathan Edwrads, foi uma tentativa para responder às objeções e corrigir os abusos levantados contra tais fenômenos emocionais. O relato mais espantoso de tais acontecimentos foi feito pelo próprio Edwards ao comentar as experiências do reavivamento em Northampton em 1741, diz ele:

Os meses de agosto e setembro foram os mais notáveis deste ano, por causa o surgimento de convicção de pecado, conversões de pecadores, grandes vivificações, despertamentos... Era frequente ser ver uma casa cheio de gritos, desmaios, convulsões e coisas semelhantes, ora com tristeza, ora com admiração e alegria. Não era costume aqui se realizar reuniões a noite inteira, conforme se faziam em alguns lugares, nem estendê-las até muito tarde da noite; no entanto, ocasionalmente algumas pessoas foram afetadas sobremaneira e seus corpos dominados de tal modo que não puderam ir para casa, sendo então obrigados a ficar a noite inteira na casa em que se encontravam.(5)

Movido por desconfiança alguns pregadores não aceitaram tais manifestações emocionais legítimas. George Whitefield teve alguma dificuldade para aceitar tais fenômenos como obra do Espírito Santo. John Wesley o repreendeu por censurar a soberania de Deus e o poder do Espírito Santo. Wesley fez uma observação em seu Jornal do dia 17 de julho de 1739, com o seguinte teor:

Eu tive a oportunidade de falar com ele (Whitefield) a respeito dos sinais externos que tão frequentemente acompanharam o trabalho interno de Deus. Descobri que as objeções dele se baseavam principalmente em interpretações errôneas e exageradas dos fatos. Mas no dia seguinte ele teve a oportunidade de informa-se melhor, pois logo depois de começar (na aplicação do sermão) e convidar a todos os pecadores a crerem em Cristo, quatro pessoas caíram perto dele quase no mesmo instante. Um deles permaneceu imóvel e inconsciente; um segundo tremia excessivamente; o terceiro teve fortes convulsões em todo o corpo, mas não fez barulho, a não ser gemido; o quarto, igualmente em convulsão, clamava a Deus com forte choro e lágrimas. Daqui em diante, espero que todos nós permitamos que Deus continue sua própria obra de maneira que lhe aprouver.(6) 

É claro que houve manifestações espúrias e falsas. Por isso, nem todos os líderes ficaram empolgado com tais ocorrências. Muitos, sob a influência do racionalismo, ressentiam-se com o entusiasmo religioso gerado pelo avivamento. Eles achavam que tais manifestações emocionais eram uma ameaça à autoridade eclesiástica. Eles “entendiam que o subjetivismo religioso apelava aos instintos inferiores e que uma pessoa racional não necessitaria que as suas crenças fossem substanciadas por um coração aquecido e muito menos por desmaios, gemidos ou pulos de alegria”.(7) Assim sendo, surgiram dois partidos: os pastores contrários ao avivamento com a ênfase nas emoções, os Old Lights; e os New Lights, favoráveis ao movimento.(8)

Jonathan Edwards, na intenção de apontar critérios de julgamentos sobre a verdadeira obra do Espírito Santo, argumenta que “a verdadeira religiosidade reside no coração, a sede dos afetos, emoções e inclinações. Ao mesmo tempo, ele descreve com detalhes os tipos de emoções religiosas que são em grande parte irrelevantes para qualquer aferição de uma verdadeira espiritualidade”.(9) Em sua obra clássica, o “Tratado Sobre as Afeições Religiosas” produzido em 1746, Edwards destaca 12 marcas distintivas que apresenta a presença da verdadeira religião, entre essas destaco:  1) a ênfase na obra graciosa de Deus; 2) doutrinas consistentes com a revelação bíblica e 3) uma vida caracterizada pelos frutos do Espírito Santo.

Concluo esse artigo firmando que não há problemas em exercemos as nossas emoções no culto público (seria impossível para um adorador sincero), entretanto quando forjamos uma liturgia que apela tão somente para as emoções corremos o risco de manipularmos o auditório. Manter um equilíbrio é o desafio para o culto reformado. É justamente esse o conselho do apóstolo Paulo quando escreve aos coríntios: “Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente” (1 Coríntios 14.15).


 Rev. Naziaseno Cordeiro Torres

(1) Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (Breslau, 21 de novembro de 1768  Berlim, 12 de fevereiro de 1834) foi pregador em Berlim na Igreja da Trindade e professor de Filosofia.
(2) Teologia Contemporânea, Gundry.
(3) Champlin. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia.
(4) James Boice, Reforma Hoje, Ed. Cultura Cristã
(5) E. Evans, Reavivamento, p. 24.
(6) Ibid, 25.
(7) Alderi Souza de Matos, “Jonathan Edwrds: Teólogo do Coração e do Intelecto”, Fides Reformata, Vol. III, nº I, jan-jul/1998, p. 77  
(8) Ibid
(9) Ibid

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DESAFIOS ATUAIS PARA O CULTO CRISTÃO REFORMADO  (II) – HUMANISMO: ÊNFASE NO ENTRETENIMENTO


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