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terça-feira, 20 de outubro de 2015

O CULTO NA HISTÓRIA DA IGREJA (IV)

Culto Puritano
O CULTO NA ERA DOS PÓS-REFORMADORES ("PURITANOS")

            As gerações seguintes à Reforma trouxeram um forte movimento anti-ritualista engendrado pelos cognominados “Puritanos”.  Mas, quem eram os puritanos? Quais eram os seus questionamentos e o que eles reivindicaram? Esses indivíduos “eram homens de moral severa, muito firmes em suas convicções e grandes estudiosos da Bíblia. Na teologia, seguiam João Calvino”.(1) Suas principais reclamações era destinadas à permanência na liturgia do ritualismo e das vestes clericais que lhes soavam como herança da igreja romana. “Eles se opunham à guarda dos dias santos, à absolvição clerical, ao sinal da cruz, à presença do padrinho no batismo, ao ajoelhar-se na hora da ceia e ao uso da sobrepeliz pelos ministros. Deploravam eles, também, a inobservância do domingo pelos anglicanos”.(2) Se procurarmos uma só palavra para conceituar a ideia puritana de culto, a expressão mais apropriada seria: SIMPLICIDADE – “Aqui está a essência do culto puritano: simples, claro, iluminado, desconfiados de ritual e distração humana construído ao redor da pregação da Palavra”.(3)
           
              A reivindicação maior dos puritanos era uma estreita subordinação à Palavra de Deus em se tratando do culto e da forma de governo.


RETORNO AO PRINCÍPIO REGULADOR DO CULTO

            A Igreja da Inglaterra (Anglicanismo) seguiu a regra formulada por Lutero que consistia em permitir a continuação das tradições que não fossem contrárias à Bíblia Sagrada e que pareciam úteis. Isso está refletido no Livro de Oração Comum (1552) do rei Eduardo, instituído pelo Ato de Uniformidade.  Os puritanos foram contrários ao princípio exposto no Livro de Oração, e seguiram o pensamento de João Calvino, que afirmava não admitir coisa alguma que não estivesse diretamente prescrita nas Escrituras. Esse princípio regulador de culto público, para sermos justos, não foi uma invenção puritano do período Isabelino. Na realidade eles estavam, apenas, dando continuidade a ideia dos reformadores antecessores. Historicamente, percebemos tal princípio na teologia de William Tyndale (1494-1536), divergindo com Thomas Cranmer (1489-1556). Cranmer aceitava as Escrituras como a única autoridade em matéria de fé, contudo não aceitou que a Igreja fosse limitada em suas cerimônias, práticas e governo, apenas à Bíblia. Em contrapartida Tyndale exigiu que, não apenas o credo da Igreja, mas também sua organização e culto deveriam ter base Escriturística. Há referências, também, em torno da controvérsia sobre o princípio regulador do culto entre John Hooper e Nicholas Ridley, em 1550; e entre John Konx e Thomas Kraumer em 1522-1553. As duas coisas particularmente em debate eram o uso de vestimentas e rubricas ou títulos de capítulos no segundo Livro de Orações da Igreja Anglicana exigindo a postura de joelhos na eucaristia. Hooper e Knox questionaram tal prática, pois afirmavam que não havia nada que validasse biblicamente tal uso.
            
         Nessa mesma linha de pensamento, os puritanos questionaram a adoração da Igreja da Inglaterra. Eles entendiam que muitos “trapos do papado” continuavam na Igreja da Inglaterra e queriam purificá-la com base na Bíblia Sagrada. Eles exigiam uma liturgia pura.(4)
           

EXAGEROS? TALVEZ, EXCESSO DE ZELO

Os puritanos levaram muito à sério o princípio que regulava o culto. Para alguns estudiosos eles, talvez, tenham ido longe demais na aplicação desse princípio. O reformador João Calvino, apesar de achar que existia multas tolerabiles ineptios (“muitas toleráveis insensatez”) no Livro Comum de Oração da Igreja Anglicana, ele as tolerava (sabemos que Calvino não apenas permitia, mas também usava a famosa toga genebrina – ainda em uso em algumas Igrejas Presbiterianas no Brasil).  Os puritanos, por sua vez, diferentemente de Calvino, não toleravam as partes insensatas do Livro Comum de Oração, e insistiram que todas as cerimônias deveriam ter apoio bíblico direto, ou seriam intromissões ímpias. Sobre esse princípio puritano, diz James Packer: “A ideia de que uma base bíblica, sob a forma de preceito ou precedente, é exigida para sancionar cada item essencial incluída na adoração pública a deus foi, na realidade, uma inovação puritana que se cristalizou no curso dos prolongados debates que se seguiram ao acordo elisabetano”.(5)
           
         Com a intenção de apresentar evidências bíblicas para provar a relevância do princípio regulador no culto, os puritanos apresentaram argumentos curiosos, por exemplo:

  • Com base em Números 28. 9-10  (“No dia de sábado, oferecerás dois cordeiros de um ano, sem defeito, e duas décimas de um efa de flor de farinha, amassada com azeite, em oferta de manjares, e a sua libação; é holocausto de cada sábado, além do holocausto contínuo e a sua libação”) - comprovava-se que dois cultos eram obrigatórios aos domingos;
  • Com base em Romanos 8.26 (“Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis.) – a prova que formalidades litúrgicas são ilegítimas;
  • Com base em Atos 1.15 (“Naqueles dias, levantou-se Pedro no meio dos irmãos (ora, compunha-se a assembléia de umas cento e vinte pessoas) e disse...”) – comprova-se que o ministro deve permanecer em um só lugar durante o culto;


Em relação a essas “provas” bíblicas o dr. Douglas Kelly se expressa assim: “Apesar de ter uma tremenda admiração pelos puritanos, eu acho que nesse ponto eles foram um pouco simplistas, e acredito que eles não foram capazes de biblicamente defender esta posição”.(6)


JOHN OWER, ESSÊNCIA DO PENSAMENTO PURITANO

John Ower (1618-1683), o teólogo puritano mais eminente, escreveu um tratado que reflete muito bem a visão puritana sobre o que é e o que não é lícito no culto público, diz ele: “... a invenção arbitrária de qualquer coisa imposta como necessária e indispensável no culto pública a Deus, como parte desse culto, e o uso de qualquer coisa assim inventada e ordenada no culto é ilegal e contrária à regra da palavra de Deus... Portanto, todo o agir  da Igreja com relação ao culto a Deus, parece consistir na  precisa observação daquilo que é prescrito e ordenado por Ele.”(7)


OS PURITANOS E A CONFESSIONALIDADE ESCRITURADA

Estamos recapitulando uma fase muito rica e significativa para a fé reformada. Nesse período da história foi constituída a Assembleia de Westminster, elaborada pelos puritanos. Esta elaborou uma forma de governo, uma confissão de fé, catecismos, um saltério e um diretório para o culto público.

A intenção de formular um diretório de culto era para substituir o Livro de Oração Comum, e seria estabelecido na Inglaterra, Escócia e Irlanda. O Diretório não tinha o interesse de ser um manual de culto, antes era um guia que servia para auxiliar o pastor de uma igreja local. Logo no início constava uma ordem parlamentar – “Uma ordem do Parlamento para a retirada do Livro de Oração Comum e para o estabelecimento e efetivação do diretório para o culto público a Deus”.(8)

O Diretório sugere uma ordem de culto que não é muito diferente da de Calvino em Genebra, porém mais enxuta para ressaltar a simplicidade da adoração pública.


LITURGIA PURITANA

·         Oração
·         Leitura Pública das Sagradas Escrituras
·         Cântico do Saltério
·         Oração
·         Pregação da Palavra
·         Oração (Ensinada por Cisto)
·         Cântico do Salmo
·         Bênção

Quando havia a Ceia do Senhor, logo após o canto do Salmo final, antes da Bênção, continuava o serviço litúrgico com a seguinte ordem:
·         Exortação, Recomendação e Convite à Mesa do senhor
·         Consagração e Bênção para os elementos
·         Palavra da Instituição ( 2 Corintios 11. 23-27)
·         Oração de Ação de Graças
·         Participação e Entrega do Pão e Vinho
·         Lembrança da Graça de Deus manifestada através dos sacramentos
·         Ação de Graças
·         Coleta em favor dos pobres


“É marcante nesta liturgia o lugar concedido à leitura da palavra, exposição e pregação da Palavra de Deus. O Diretório contém uma parte excelente dedicada à arte da pregação, defendendo o estilo simples e direto dos puritanos, que insistiam na comunicação da mensagem da Escritura”.(9)

Os teólogos ingleses do século XVII deixaram para nós um profundo legado: zelo no culto dirigido a Deus e simplicidade na maneira de cultuar.


Rev. Naziaseno Cordeiro Torres,VDM

(1) Nichols, Robert H. História da Igreja Cristã, p. 178
(2) Cairns, Earle E. O Cristianismos Através dos Séculos, p. 273
(3) Rykens, Leland. Santos no Mundo, p. 120
(4) Com o passar dos anos, sob a influência de Thomas Cartwright (1535-1603), professor de teologia em Cambrandge, por volta de 1470, deslocou-se a ênfase na reforma litúrgica para o campo da teologia eclesiologia. Em suas aulas sobre o livro de Atos, Cartwright se opunha ao sistema episcopal.
(5) Packer, James I. Entre os Gigantes de Deus, p. 267
(6) Revista os Puritanos
(7) Citado por Paulo Anglada em O Princípio Regulador do Culto, p. 17
(8) John Leith, A Tradição Reformada, p. 306
(9) Idem, p. 307


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