Culto Puritano |
O CULTO NA ERA DOS PÓS-REFORMADORES ("PURITANOS")
As gerações seguintes à Reforma trouxeram um forte
movimento anti-ritualista engendrado pelos cognominados “Puritanos”. Mas, quem eram os puritanos? Quais eram os seus questionamentos e o que eles reivindicaram?
Esses indivíduos “eram homens de moral severa, muito firmes em suas convicções
e grandes estudiosos da Bíblia. Na teologia, seguiam João Calvino”.(1) Suas
principais reclamações era destinadas à permanência na liturgia do ritualismo e
das vestes clericais que lhes soavam como herança da igreja romana. “Eles se opunham à guarda dos dias santos, à
absolvição clerical, ao sinal da cruz, à presença do padrinho no batismo, ao
ajoelhar-se na hora da ceia e ao uso da sobrepeliz pelos ministros. Deploravam
eles, também, a inobservância do domingo pelos anglicanos”.(2) Se procurarmos
uma só palavra para conceituar a ideia puritana de culto, a expressão mais
apropriada seria: SIMPLICIDADE – “Aqui está a essência do culto puritano:
simples, claro, iluminado, desconfiados de ritual e distração humana construído
ao redor da pregação da Palavra”.(3)
A reivindicação maior dos puritanos era uma estreita
subordinação à Palavra de Deus em se tratando do culto e da forma de governo.
RETORNO AO PRINCÍPIO REGULADOR DO CULTO
A Igreja da Inglaterra (Anglicanismo) seguiu a regra
formulada por Lutero que consistia em permitir a continuação das tradições que
não fossem contrárias à Bíblia Sagrada e que pareciam úteis. Isso está
refletido no Livro de Oração Comum (1552) do rei Eduardo, instituído pelo Ato
de Uniformidade. Os puritanos foram
contrários ao princípio exposto no Livro de Oração, e seguiram o pensamento de
João Calvino, que afirmava não admitir coisa alguma que não estivesse
diretamente prescrita nas Escrituras. Esse princípio regulador de culto
público, para sermos justos, não foi uma invenção puritano do período Isabelino.
Na realidade eles estavam, apenas, dando continuidade a ideia dos reformadores
antecessores. Historicamente, percebemos tal princípio na teologia de William
Tyndale (1494-1536), divergindo com Thomas Cranmer (1489-1556). Cranmer
aceitava as Escrituras como a única autoridade em matéria de fé, contudo não
aceitou que a Igreja fosse limitada em suas cerimônias, práticas e governo,
apenas à Bíblia. Em contrapartida Tyndale exigiu que, não apenas o credo da Igreja,
mas também sua organização e culto deveriam ter base Escriturística. Há referências,
também, em torno da controvérsia sobre o princípio regulador do culto entre
John Hooper e Nicholas Ridley, em 1550; e entre John Konx e Thomas Kraumer em 1522-1553.
As duas coisas particularmente em debate eram o uso de vestimentas e rubricas
ou títulos de capítulos no segundo Livro de Orações da Igreja Anglicana
exigindo a postura de joelhos na eucaristia. Hooper e Knox questionaram tal
prática, pois afirmavam que não havia nada que validasse biblicamente tal uso.
Nessa mesma linha de pensamento, os puritanos
questionaram a adoração da Igreja da Inglaterra. Eles entendiam que muitos “trapos
do papado” continuavam na Igreja da Inglaterra e queriam purificá-la com base
na Bíblia Sagrada. Eles exigiam uma liturgia pura.(4)
EXAGEROS? TALVEZ, EXCESSO DE ZELO
Os
puritanos levaram muito à sério o princípio que regulava o culto. Para alguns
estudiosos eles, talvez, tenham ido longe demais na aplicação desse princípio.
O reformador João Calvino, apesar de achar que existia multas tolerabiles ineptios (“muitas
toleráveis insensatez”) no Livro Comum de Oração da Igreja Anglicana, ele
as tolerava (sabemos que Calvino não apenas permitia, mas também usava a famosa
toga genebrina – ainda em uso em algumas Igrejas Presbiterianas no
Brasil). Os puritanos, por sua vez,
diferentemente de Calvino, não toleravam as partes insensatas do Livro Comum de
Oração, e insistiram que todas as cerimônias deveriam ter apoio bíblico direto,
ou seriam intromissões ímpias. Sobre esse princípio puritano, diz James Packer:
“A ideia de que uma base bíblica, sob a
forma de preceito ou precedente, é exigida para sancionar cada item essencial
incluída na adoração pública a deus foi, na realidade, uma inovação puritana
que se cristalizou no curso dos prolongados debates que se seguiram ao acordo
elisabetano”.(5)
Com a intenção de apresentar evidências bíblicas para
provar a relevância do princípio regulador no culto, os puritanos apresentaram
argumentos curiosos, por exemplo:
- Com base em Números 28. 9-10 (“No dia de sábado, oferecerás dois cordeiros de um ano, sem defeito, e duas décimas de um efa de flor de farinha, amassada com azeite, em oferta de manjares, e a sua libação; é holocausto de cada sábado, além do holocausto contínuo e a sua libação”) - comprovava-se que dois cultos eram obrigatórios aos domingos;
- Com base em Romanos 8.26 (“Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis”.) – a prova que formalidades litúrgicas são ilegítimas;
- Com base em Atos 1.15 (“Naqueles dias, levantou-se Pedro no meio dos irmãos (ora, compunha-se a assembléia de umas cento e vinte pessoas) e disse...”) – comprova-se que o ministro deve permanecer em um só lugar durante o culto;
Em relação a essas “provas” bíblicas o dr.
Douglas Kelly se expressa assim: “Apesar
de ter uma tremenda admiração pelos puritanos, eu acho que nesse ponto eles
foram um pouco simplistas, e acredito que eles não foram capazes de
biblicamente defender esta posição”.(6)
JOHN OWER, ESSÊNCIA DO PENSAMENTO PURITANO
John Ower (1618-1683), o teólogo puritano
mais eminente, escreveu um tratado que reflete muito bem a visão puritana sobre
o que é e o que não é lícito no culto público, diz ele: “... a invenção arbitrária de qualquer coisa imposta
como necessária e indispensável no culto pública a Deus, como parte desse
culto, e o uso de qualquer coisa assim inventada e ordenada no culto é ilegal e
contrária à regra da palavra de Deus... Portanto, todo o agir da Igreja com relação ao culto a Deus, parece
consistir na precisa observação daquilo
que é prescrito e ordenado por Ele.”(7)
OS PURITANOS E A CONFESSIONALIDADE
ESCRITURADA
Estamos recapitulando uma fase muito rica e
significativa para a fé reformada. Nesse período da história foi constituída a Assembleia
de Westminster, elaborada pelos puritanos. Esta elaborou uma forma de governo,
uma confissão de fé, catecismos, um saltério e um diretório para o culto
público.
A intenção de formular um diretório de culto
era para substituir o Livro de Oração Comum, e seria estabelecido na
Inglaterra, Escócia e Irlanda. O Diretório não tinha o interesse de ser um
manual de culto, antes era um guia que servia para auxiliar o pastor de uma
igreja local. Logo no início constava uma ordem parlamentar – “Uma ordem do
Parlamento para a retirada do Livro de Oração Comum e para o estabelecimento e
efetivação do diretório para o culto público a Deus”.(8)
O Diretório sugere uma ordem de culto que não
é muito diferente da de Calvino em Genebra, porém mais enxuta para ressaltar a
simplicidade da adoração pública.
LITURGIA PURITANA
·
Oração
·
Leitura
Pública das Sagradas Escrituras
·
Cântico do
Saltério
·
Oração
·
Pregação da
Palavra
·
Oração
(Ensinada por Cisto)
·
Cântico do
Salmo
·
Bênção
Quando havia a Ceia do Senhor, logo após o
canto do Salmo final, antes da Bênção, continuava o serviço litúrgico com a
seguinte ordem:
·
Exortação,
Recomendação e Convite à Mesa do senhor
·
Consagração e
Bênção para os elementos
·
Palavra da
Instituição ( 2 Corintios 11. 23-27)
·
Oração de Ação
de Graças
·
Participação e
Entrega do Pão e Vinho
·
Lembrança da
Graça de Deus manifestada através dos sacramentos
·
Ação de Graças
·
Coleta em
favor dos pobres
“É marcante nesta liturgia o lugar concedido
à leitura da palavra, exposição e pregação da Palavra de Deus. O Diretório
contém uma parte excelente dedicada à arte da pregação, defendendo o estilo
simples e direto dos puritanos, que insistiam na comunicação da mensagem da
Escritura”.(9)
Os teólogos ingleses do século XVII deixaram
para nós um profundo legado: zelo no culto dirigido a Deus e simplicidade na
maneira de cultuar.
Rev. Naziaseno Cordeiro Torres,VDM
(1) Nichols, Robert H. História da Igreja Cristã, p. 178
(2) Cairns, Earle E. O Cristianismos Através dos Séculos, p. 273
(3) Rykens, Leland. Santos no Mundo, p. 120
(4) Com o passar dos anos, sob a influência de Thomas Cartwright (1535-1603), professor de teologia em Cambrandge, por volta de 1470, deslocou-se a ênfase na reforma litúrgica para o campo da teologia eclesiologia. Em suas aulas sobre o livro de Atos, Cartwright se opunha ao sistema episcopal.
(5) Packer, James I. Entre os Gigantes de Deus, p. 267
(6) Revista os Puritanos
(7) Citado por Paulo Anglada em O Princípio Regulador do Culto, p. 17
(8) John Leith, A Tradição Reformada, p. 306
(9) Idem, p. 307
PRÓXIMO ARTIGO: DESAFIOS ATUAIS PARA O CULTO CRISTÃO (I): Existencialismo - Ênfase nas Emoções.
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