O CULTO NA REFORMA PROTESTANTE
A Reforma
Protestante, no século XVI, foi uma resposta
à liturgia da Idade Média. Em certo sentido, o escopo principal dessa
nova fase gravitou em torno de questões litúrgicas. Concordamos com o rev.
Paulo Anglada, quando afirmou que “duas questões foram de suma importância na
Reforma Protestante do século XVI: o culto e a doutrina (e nessa ordem)”.(1)
Calvino também pensava assim. Num tratado sobre a necessidade de reforma na
Igreja, escrito em 1543, ele enfatiza: “... primeiro, o modo como Deus é
cultuado devidamente; e, segundo, a fonte da qual a salvação pode ser obtida.
Quando se perde de vista estas coisas, embora possamos nos gloriar no nome de
cristãos, nosso profissão de fé é vazia e vã”.(2)
A Reforma do
século XVI “foi o maior evento, ou série de eventos, desde o encerramento da
cânon das Escrituras”(3). O filósofo alemão Hegel referiu-se à Reforma como “o
sol que a tudo ilumina e que sucede aquela aurora do final da idade média”.
Os
reformadores examinaram os precedentes da Igreja, quando procuraram a maneira
correta de cultuar a Deus. Eles não inovaram, simplesmente olharam para o
passado. No ato de olharem para trás descobriram a adoração na igreja
primitiva. Formulada pelos pais apostólicos. Zuinglio descobriu a riqueza na
obra de Agostinho, Cirilo de Alexandria, Gregório de Nazianzo, Gregório de
Nissa, Jerônimo e Orígenes. Essa descoberta fê-lo defender a primazia da
Escritura e sua rejeição do sacrifício da missa.
O reformador
Ecolampadio catalogou as obras de Jerônimo e editou os textos de Crisóstomos. Martin Bucer possuía um conhecimento substancioso de literatura pastoral da Igreja
Primitiva. Ele abraçou a escola exegética de Alexandria e obteve as edições de
Erasmo dos textos dos teólogos da Igreja Primitiva.
Calvino
chegou a produzir um livro cujo título era: “As Formas de Orações Segundo o
Costume da Igreja Antiga”. Ele declarou que a liturgia reformada deve se
coadunar à prática da Igreja Primitiva. Tomou por base a prática cúltica
formulada por Gregório, Basílio, Crisóstomo, Agostinho, Ambrósio e Cipriano, e
rejeitou a forma de culto medieval que, para ele, estava longe das práticas da
Igreja Patrística.
Como
consequência desse descobrimento patrístico o culto voltou a simplicidade
original:
Os dirigentes do culto da igreja
antiga se opunham ao culto suntuoso. Alguns chegaram mesmo a proibir a pintura
de imagens de Cristo e de santos nas paredes dos templos. Clamaram contra a
negação do cálice aos fiéis, a elaboração de leis para o jejum e a exigência de
celibato aos sacerdotes. Os reformadores também se opuseram a tais costumes.
Mas a área mais importante em que os reformadores examinaram a história em
busca de orientação foi a litúrgica. Tanto a Igreja Primitiva como os
reformadores mostraram um interesse primário pela proclamação da Palavra, pela
oração por iluminação, pela invocação, pela oração de confissão, pela oração de
intercessão e pela celebração da Ceia do Senhor.4
Vejamos os
pontos principais do culto reformado.
A PRIMAZIA DA PALAVRA
Os reformadores
entendiam a Palavra de Deus como o centro do culto a Deus. João Calvino
considerou a pregação da palavra como a parte principal do culto, e, em
Genebra, as três paróquias realizavam quinze cultos semanalmente, todos com
sermões.
Martin Bucer
sustentava que a Bíblia circunvolve a Palavra de Deus, e somente quando a
Palavra é dirigida à Igreja e a Igreja apresenta a sua resposta, o verdadeiro
culto acontece.
Zuínglio, em
Zurique, considerou a Palavra pregada como o ápice do culto. Sustenta ele que
as orações, os lecionários, os responsos, os credos e os mandamentos são
“simplesmente a ida da congregação para a Palavra e, depois, seu retorno da
Palavra e saída para a vida com a Palavra”.
Ele entendeu que a pregação da Palavra estava relacionada diretamente
com a salvação.
Martinho
Lutero acreditava que a Palavra pregada é revelação com as próprias Escrituras;
isso porque ele observou que o Evangelho, originalmente, não era um livro, mais
sermões, isto é, testemunho da fé apostólica.
A Reforma foi
o maior reavivamento da Pregação na história da Igreja cristã. Deus “usa o
ministério de um homem para declarar publicamente a sua vontade a nós pela sua
boca”, diz Calvino, “como um tipo de trabalho delegado, não transferindo a eles
sua prerrogativa e honra, mas somente para que, através de suas bocas, ele
possa fazer sua própria obra – assim como um trabalhador usa uma ferramenta
para fazer o seu trabalho”.(5)
O discurso reformado apresenta o
sermão como sacramento. “A verdade é que o ramo calvinista de tradição
reformada e os documentos confessionais da tradição como um todo mostra uma
consciência intensamente sacramental, mas do que acontece nas tradições romanas
e anglicanas. Parte desse “mais” diz respeito ao sermão. Mais do que quaisquer
tradições da cristandade, as da igreja da reforma – tanto a igreja reformada
como a igreja luterana – tem enfatizado que, através da proclamação da igreja,
Deus age graciosamente com o seu povo”.(6)
Na liturgia
da Reforma Deus fala soberanamente através do sermão pregado pelo ministro. Daí
a relevância da pregação para os reformadores.
O LUGAR DOS SACRAMENTOS
Em
qualquer ordem de culto devem existir, para os reformadores, sempre três
elementos: a pregação da Palavra, as orações e o sacramento da Ceia do Senhor.
É bem verdade que o pensamento de Zuínglio era diferente dos demais
reformadores.
A Ceia do
Senhor para Calvino não era um simples memorial, como atestava Zuínglio. Para
ele a eucaristia era um profundo meio de graça – Deus atua a nosso favor.
Participar da ceia é entrar na esfera da atuação de Deus, e não apenas da
presença de Deus. Só nos resta a convicção de que temos de apossarmos da ação
de Deus em fé e gratidão, através da obra do Espírito.
No “sagrado
ministério da Ceia”, diz Calvino, Deus “cumpre interiormente aquilo que ele
mostra exteriormente”(7). Em outro loci
ele diz que quando “recebemos o sacramento em fé, segundo a ordenação do
Senhor, nós somos feitos verdadeiramente participantes da própria substância do
corpo e do sangue de Jesus Cristo. Como isso é feito alguns podem deduzir
melhor e explicar mais claramente do que outros. Seja como for, por um lado,
para excluir todas as fantasias carnais, devemos elevar nosso coração aos céus,
não pensando que nosso Senhor Jesus se rebaixa tanto a ponto de ser encerrado
em alguns elementos corruptíveis; e, por outro lado, para não prejudicar a
eficácia desta sagrada ordenação, devemos sustentar que ela é efetivada pelo
poder secreto e miraculoso de Deus, e que o Espírito de Deus é o elo de
participação espiritual”(8).
Essa é a
visão eucarística engendrada pelos reformadores no seu período histórico.
PARTICIPAÇÃO DO POVO
A
realização do culto na língua do povo foi uma tentativa de incluir a comunidade
na adoração - a igreja na experiência de cultuar a Deus. Calvino asseverava que
os adoradores deviam cultuar de uma forma inteligente. Para tal haveria uma
necessidade de uma total compreensão da linguagem que estava sendo usada. Os
fiéis tinham de ser espiritualmente alimentados para exercer seus direitos e,
na medida do possível, entender e participar no canto e nas orações faladas
durante o culto.
Um ponto
importante na participação do povo no culto foi a recuperação dos salmos na
liturgia. Os reformadores procuraram recuperar os salmos e outros textos da
Escritura – Calvino, através do canto metrificado, e Zuinglio, através de
leitura de antífona.
É bom
destacar que os reformadores sustentavam que a música tinha de conduzir o texto
aos adoradores e não distrai-los.
À princípio,
quando Calvino chegou em Genebra restringiu a música. Como Zuinglio, Calvino
não tinha, inicialmente, música no culto. Mas, depois de visitar Estransburgo,
colocou vários salmos nas métricas francesas de Mateus Greitu e Wolfgang
Dachstein. É interessante perceber que essa alternativa seria para substituir
as “frias melodias” de Genebra.
Michael
Horton observa que “a tradição reformada mais moldada pela influência de João
Calvino produziu também uma rica tradição artística. Não só o Barroco Holandês
foi um tributo à sua influência, como também a tradição de cânticos dos Salmos,
hoje em dia muito esquecida, que foi popularizada durante o seu ministério em
Genebra. Criança de escola na França cantavam os Salmos nos pátios onde
brincavam (até que o mestre de escola as mandasse parar) e estes hinos
majestosos foram cantados em lugares longínquos como na Hungria, Polônia,
Escócia e Itália durante a Reforma. Embora Calvino admoestasse contra colocar a
Igreja de volta sob as leis cerimonias de Israel, que foram apenas sombra do
reino futuro e passaram com a vinda de cristo, ele, não obstante, encorajou o
desenvolvimento de sociedades musicais na comunidade. Para o cântico dos Salmos
sagrados nas igrejas, ele empregou o poeta mais famoso da renascença francesa,
Clement Marot (1497-1544) para escrever o texto e compor música com a
assistência de Louis bourgeois.(9)
Toda essa
moldura musical tinha uma finalidade básica: o serviço prestado pela
congregação - a participação do povo no culto. Não havia a necessidade do coro.
Os salmos tinham de ser cantados em uníssonos e sem acompanhamento
instrumental.
Podemos
resumir o ensino dos reformadores em relação ao culto, sobretudo Calvino, em
quatro assertivas:
a) A Integridade Bíblica. Eles insistiam no fato de que toda a prática deve ter sustentação no
ensino bíblico.
b) Inteligibilidade Teológica. O culto não deve
apenas estar correto, mas deve também ser compreensível.
c) Edificação. A
prova concreta a que está sujeito o culto é a do crescimento em amor, confiança
e lealdade para com Deus e para com o próximo.
d) Simplicidade. O culto deve ser simples. Todos os
movimentos, atos e palavra desnecessários são eliminados. As palavras, atos e
outros acessórios do culto devem, acima de tudo, ser apropriados à verdade que
comunica ou expressam.
Em relação a uma ordem litúrgica
reformada não há unanimidade entre os reformadores. Lutero, Farel, Zuinglio,
entre outros, formularam a sua própria ordem de culto. Devido a nossa herança
calvinista, me proponho a apresentar a ordem litúrgica de Calvino. Ei-la:
- Convite à Adoração: (Leita Bíblica
conclamando ao Culto Público)
- Oração de Confissão de Pecados
- Sentença Bíblica de Absolvição
- Decálogo (1ª parte)
- Oração
- Decálogo (2ª parte)
- Cântico de Salmo
- Oração por iluminação
- Leitura Bíblia e entrega do sermão
- Grande Oração (pastoral) e
paráfrase da oração do Senhor
- Recitação do Credo Apostólico
- Preparação do Pão e Vinho
- Oração para a recepção da ceia
(consagração), finalizando com a oração do Senhor
- Instituição da Santa Ceia (leitura
bíblica)
- Exortação
- Distribuição dos elementos
- Cântico do Salmo
- Oração de Agradecimento
- Nunc
Dimittis
- Bênção Araônica
Aprendemos,
historicamente, com os reformadores, que o culto cristão deve celebrar
frequentemente a Ceia do senhor, deve haver mais leituras da Palavra de Deus,
uma renovada ênfase no sermão expositivo, oração longa de intercessão (oração
pastoral) após a proclamação da Palavra e do cântico de salmos metrificados.
Rev, Naziaseno Cordeiro Torres
PRÓXIMO ARTIGO: O CULTO NA ERA DOS PÓS-REFORMADORES
Um comentário:
Não foram colocadas as notas de rodapé com as fontes das citações
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